domingo, 19 de agosto de 2012

Omulu/Obaluaiye


OMULU/OBALÚAIYÉ, O SENHOR DA DOENÇA E DA CURA
Para compreender-se os mistérios desse Orixá, precisaremos nos repetir à
semelhança de quase todos os autores. De quase tudo o que já foi escrito.
Mergulhar em sua região de origem... o antigo Daomé, hoje Benin.
Assim como Exu foi “demonizado” pelos conquistadores europeu e asiático,
Xapanã (Omulu/Obalúaiyé) e sua mãe Nâná Burúkú, mais do que seus
irmãos Ôxumarê e Iroko (Tempo) também o foram pelo conquistador africano
vindo de solo iorubá.
Ao invadirem o Daomé, encontraram ali uma sociedade antiquíssima,
matriarcal cuja deusa maior era Nâná. Verger fala-nos que há várias
divindades com o nome de Nâná em diversas regiões diferentes, todas
chamadas coletivamente de Inie, com o caráter de deus supremo. Em
decorrência disso, essa divindade aparece feminina, com ambos ou sexos ou
até assexuada, já que tudo partiria dela no processo de Criação, sem haver
necessidade do elemento masculino na geração de todas as coisas.
A consagração à Nâná exigia três peregrinações sucessivas cujo destino
muitas vezes poderia ser a morte. Aos sobreviventes, o mais absoluto
segredo do que haviam presenciado ou passado. Em outras regiões seu culto
confunde-se ao de seu filho Xapanã (Omulu/Obalúaiyé). Em outras, ela e
Xapanã são a mesma divindade. De qualquer forma, o culto a Nâná e seu
filho impunham grande temor e respeito a seus adeptos, relacionando-os à
morte, à doença e em especial, na época, à temível varíola.
O africano era bastante prático, não tendo os ideais paradisíacos do pósmorte
cristão, nem alimentava esperanças de qualquer felicidade no além.
Sabia que, ao morrer, enfrentaria os Ôna Burúkú (os Maus Caminhos, as
zonas umbralinas) ou iria preparar-se para reencarnar (àtúnwa) no processo
infinito do aprendizado. Morte, para o africano, não era sinônimo de
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libertação, de paraíso eterno. E os espíritos dos mortos geralmente eram
vistos como elementos perturbadores, destrutivos, perigosos de lidar.
Verdadeiramente temidos.
Na África, alguns espíritos de ancestrais masculinos recebiam uma grande
veneração, sendo reverenciados em festivais nos meados de junho (época da
colheita) quando “desciam” à terra, andavam e falavam entre os vivos,
trazendo bênçãos para sua família, sua aldeia como espíritos tutelares.
Como não podem ser vistos (acreditam que eram a própria imagem da morte
e que, se alguém os visse, morreria imediatamente) são recobertos por
máscaras e roupas (chamadas eku) da cabeça aos pés. São os Égun (os
mortos), reverenciados nos festivais Egúngún. No Brasil, estes espíritos
ancestrais recebem culto desse modo apenas na Bahia em dois lugares: no
Ilê Agboulá e Ilê Oyá, ambos em Itaparica. Às mulheres, que não manteriam
uma alma individual como os homens, é vetado o ingresso e a participação
nesses cultos (salvo as iniciadas, as oiê femininos). No Brasil, os cultos são
feitos em barracões fechados, comandados por um sacerdote (ojê otokun)
cujo bastão (ixã) tem o poder de controlar os mortos. Os Égun, chefiados
pelo espírito do Babá-Égun (ou ainda Égun-Agbá), chegam vestidos por uma
roupa (opá) que mais parece uma barraca retangular ou redonda feita de
tiras coloridas dançando e tentando tocar os vivos que fogem ao seu contato.
Acredita-se que, se tocado por um Égun, será atraído para si toda a sorte de
desgraças e até a morte.
Basicamente, há aqueles Égun que têm “luz”, vindo para proteger e trazer
axé ao povo (os Babá). Já os Apaaraká (1), que ainda estão evoluindo, são
imprevisíveis e perigosos. Esses últimos não falam, e suas roupas costumam
ser mais simples. Sua lida com eles exige energia, disciplina e muito
cuidado.
Na África, o Égun é venerado na floresta em um local chamado igbo igbâlê.
No Brasil, em vez da floresta, o local de culto é uma peça nos terreiros
chamado ilê awo (casa do segredo), havendo nele um local de terra batida
que recebe o nome de balê ou igbâlê. Ali haverá um buraco aberto
diretamente na terra que receberá sacrifícios e tudo o mais para o agrado
dos Égun, cercado de bastões (ixã) que fecharão magneticamente o local,
isolando-o do resto do terreno. Esse lugar restrito ao culto dos mortos tem a
proteção de Oyá Igbâlê (uma qualidade de Iansã), criadora mítica do culto
aos Égun e companheira inseparável de Omulu/Obalúaiyé.
Como podemos ver, o culto a Égun é completamente separado do culto a
Orixá. Por isso, nos cultos mais ligados ao africanismo, a idéia de que Ori
(1) Essas entidades lembram, e muito, os nossos Exus “de Limpeza”, “de Pé”
(porque ficam “aos pés”, submetidos aos Exus de Lei ou Guardiões) ou
"Almas", como dizem alguns (nota da autora).
xá (a um nível mais próximo a nós), quando poderia vir a ser o espírito de
algum ancestral divinizado, uma idéia repugnante ou absurda. Explicaremos
porquê.
Já na África, os mortos são vistos com imenso temor. Horror mesmo.
Acredita-se que, ao morrer, tornam-se poderosos, vingativos, capazes de
atrair a morte sobre os vivos. Há muitas histórias, algumas mais recentes,
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mostrando espíritos de jovens (mulheres), que nos conceitos dos africanos
não teriam uma alma individual como os homens, assombrando certos
lugares. As almas masculinas circulam, quando estão no âiyé (terra), por
lugares misteriosos, escuros e solitários como as florestas. Outros são
traquinas, impondo sustos aos vivos. Eis porque, mesmo alguns já
esquecendo essas origens, o pessoal de Candomblé ou Cultos de Nação
tradicionais vêem a Umbanda com o mesmo pavor. Invocamos e
trabalhamos com espíritos de mortos (Caboclos, Pretos-Velhos e Crianças) e
espíritos inconstantes como os Exus de Umbanda, considerados também
"perigosos de lidar". Para eles, os próprios Apaaraká citados acima.
Em suma, os mortos são assustadores. Temíveis.
E é esse o mundo comandado por Nâná e seu filho Omulu/Obalúaiyé, dois
Orixás melindrosos de lidar...
Para compreender-se melhor nosso desenvolvimento de idéias até aqui,
voltaremos a contar a história de como iniciou o Festrival Egúngún na
África...
Havia uma mulher que tinha um filho chamado Ojulari. Porque seus filhos
anteriores haviam morrido, Ojulari cresceu mimado em excesso.
Entendiado, um dia o menino pegou as roupas de sua mãe, vestiu-se com
elas e passou a dançar. Pediu à mãe que pegasse o banquinho onde estaria
sentada e batesse nele, como um tambor, para que houvesse música.
Feliz, no outro dia bem cedo, fez a mesma coisa. Mas a mãe estava cansada
e recusou-se. O garoto entrou em crise chegando a ficar febril por ter sido
contrariado. Consultando Ifá, a mulher foi recomendada a fazer tudo o que o
menino quisesse...
Temerosa de perder o filho, como havia acontecido com os demais, costuroulhe
um pano para se enrolar, passando a marcar o ritmo batendo no
banquinho, como se fosse um verdadeiro tambor. O menino reagiu bem,
dançando o dia inteiro. Ficou bom.
E assim, todos os dias, Ojulari ficava da manhã à noite dançando sob o som
tosco do tambor improvisado por sua mãe, cujos talentos como musicista
eram poucos.
Para providenciar-lhe comida assim que acabasse de dançar, pois sempre
terminava faminto e exigente, a mulher passou a fazer-lhe certas comidas de
véspera. Fazia eko, um mingau feito de milho, e moyinmoyin, um pudim
feito de feijões ao vapor. Deu-lhe relhos também, para que afastasse as
cabras que vinham tentar comer a comida cheirosa.
Ojulari cresceu, tornou-se um homem. E, um dia, viu a mãe morrer já idosa
e cansada.
Com remorso de tudo o que a fizera sofrer quando menino, resolveu
principiar uma comemoração em homenagem ao espírito de sua mãe.
Chamou seus amigos e deu-lhes as mesmas comidas que sua mãe preparava
para ele quando menino. Depois, vestiu-os com panos coloridos e deu-lhes
relhos, à semelhança que tinha quando pequeno para enxotar as cabras.
Com um tambor chamado bata, saíram a dançar pela cidade tocando-o
irregularmente, fingindo não saber tocá-lo. Tudo fazendo para lembrar-se de
sua infância, em homenagem aos esforços de sua mãe.
O festival espalhou-se por toda a terra iorubá tornando-se o principal culto
aos ancestrais, permitindo que eles "viessem", "incorporassem" entre os vivos
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uma vez ao ano para trazer-lhes bênçãos. E Ojulari passou a ser o grande
Babá-égun, o pai de todos os Egúngún.
Curiosamente, após essa história, lembra-nos de alguns comentários vindos
da Nação/Batuque Sulino.
Os "antigos" (antigos sacerdotes) gaúchos, de forte influência do Xangô
recifense e/ou vice-versa segundo Norton F. Corrêa (6), absorvendo,
posteriormente, elementos gêge, falavam que "tocar tambor com o couro
pouco esticado atraía égun", "comer certas comidas atraia égun" e uma série
de proibições rituais remetendo-nos à história de Ojulari e ao culto de
Egúngún em um todo. São fundamentos antigos, preservados oralmente,
mas que já as novas gerações desconhecem a origem, o ritual, as razões para
mantê-los ainda vivos no culto. Dessa feita, a necessidade urgente de
preservação desses conceitos, via livros, antes que sumam ou sejam
alterados significativamente pelos mais jovens, que consideram costumes
ultrapassados sem uma razão verdadeira de existir, mesmo que à força da
tradição. Isso explica também os comentários de que os "antigos tinham
mais força" de um modo geral, por saberem e utilizarem desses fundamentos
essenciais na manipulação dessa liturgia.
Morrer ou adoecer nesses cultos sempre será sinônimo de algum castigo
oriundo dos "mortos", dos Orixás, feitiços ou causas sobrenaturais. Como já
ouvimos comentar de sacerdotes aborrecidos com extremismos sobre essas
questões, nosso povo crê que um membro de um culto afro-brasileiro jamais
possa adoecer, morrer ou passar pelos problemas comuns a todos os
mortais. Descartadas as causas naturais ou cármicas inadiáveis, aí sim
poderemos observar as demais questões ditas espirituais. Todos sabemos
haver formas de minimizar-se os problemas com as tradicionais oferendas,
através dos jogos divinatórios gerais que, em concordância com vários outros
autores, Ôrunmìlá inspiraria as devidas soluções.
Vale-nos citar novamente Norton Corrêa, quando ouviu de Mãe Moça a
seguinte observação: os eguns são "almas de pessoas ou minas (africanos,
antigos) que morreram; andam pelo ar, em todos os lugares. Eles são cegos,
tapados (obtusos, burros) e, por não se convencerem bem que morreram,
querem continuar a viver junto com as pessoas, junto ao que era "deles". São
estes motivos que fazem do égun uma entidade perigosa, pois "encosta-se"
nos humanos para tentar reaver de volta aquilo que agora lhe falta e tanto
deseja: a vida. Pela mudança brusca de situação, igualmente, ficam
"irritados e desnorteados", sentindo-se "solitários", longe dos seus antigos
companheiros de culto que procuram levar para junto de si. E de certa forma
não fazem isto por maldade intrínseca, mas por não perceberem bem as
coisas. Corre-se maior risco quanto maiores nossas relações no parentesco de
religião com o morto; quanto ao consangüíneo, exceção feita a parentes
pertencentes ao culto, praticamente nada poderá acontecer."
Eis uma explicação aparentemente simples. Mas é exatamente isso que os
espíritos dos mortos são quanto ao seu comportamento no mundo deixado
para trás, o mundo dos vivos. Em palestras feitas nessa e outras cidades do
interior do Estado, notamos, no espaço reservado às perguntas, sempre os
mesmos questionamentos do quê seria a morte e o quê aconteceria aos
mortos pelo nosso povo. Os membros dos cultos afro-brasileiros, em um
todo, desconhecem essas questões de como se lidar com eles, entrando em
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pânico, pavor mesmo, quando alguém é "tomado" por algum espírito
obsessor, um quiumba, passando a falar, rolarpelo chão nas manifestações
comuns das possessões doentias. Podemos dizer, com toda a tranqüilidade,
que o afro-brasileiro, o umbandista não sabe lidar nessas situações. E nada
sabe sobre o fenômeno natural da morte.
A Umbanda diferencia-se da doutrina espírita (chamada pelos leigos de
"kardecismo") que pede ao obsessor, às vezes por anos a fio, dizendo-lhe que
"se afaste dos vivos", "vá com os espíritos de luz para algum lugar melhor".
Isso acontece com os espíritos já com um pouco de esclarecimento. Mas é
um tratamento sem maiores resultados quando lidamos com um espírito
obsessor contumaz, que debochará dessas práticas voltando, ainda mais
feroz, à vítima logo à seguir,
6) Ver em "O Batuque do Rio Grande do Sul", de Norton F. Corrêa, página
49.
perturbando-a ainda mais. Nesses casos, a Umbanda costuma ser muito
mais eficaz na solução desses problemas, agindo de forma mais endurecida
com esses indivíduos que não querem ouvir a curto ou médio prazo. No
entanto, precisamos salientar que as obras de cunho espírita são as
melhores já escritas por tratar dessas questões de sobrevida após a morte
com clareza e lógica, descrevendo os locais para onde iremos com absoluta
precisão e coerência. O que é um espírito, perispírito, o uso de energias,
passes magnéticos explicando com objetividade praticamente tudo o que
fazemos nos terreiros. E muitas vezes, pela velha preguiça de não querer ler
ou aprender, não entenderemos essas questões ficando apenas apegados a
resultados práticos.
O temor ao espírito dos mortos também é explicado pelo uso deles em
feitiçaria pesada. Nenhum guia de luz, Orixá ou outros, participam desses
rituais pela sua elevação espiritual. Nesse rol, citamos também os Exus ditos
"de Lei" ou Guardiões que já têm luz (esclarecimento espiritual, moralidade,
bondade) como não-participantes dessas operações. Somente os Égun sem
luz executam esses trabalhos de malefício incluindo-se, nessa categoria, os
ditos “Exus” não doutrinados, ligados à magia negativa. Dizemos “Exus”
porque na verdade não o são, sendo simplesmente quiumbas que se dizem
exus para terem crédito nesses meios. Daí, na maioria desses trabalhos, é
usado o cemitério de forma indiscriminada, lugar comum onde perambulam
esses espíritos sem rumo (e também espíritos de luz, missionários com o
intuito de ajudá-los), concentrando-se ali um foco extraordinário de energias
(oriundas da decomposição da matéria), para a feitura dessas magias. Por
mais queiram acusar, nenhum "Exu Caveira", "Tranca-Rua, "Veludo",
"Padilha" verdadeiros, com boa orientação e sob a hierarquia dos Caboclos e
Pretos-Velhos podem ser responsabilizados por tais práticas.
Como já vimos, nos Cultos de Nação, de um modo geral, há um local
dedicado dos espíritos ancestrais daquele terreiro. Almas de antigos
babalorixás, ialorixás, filhos da casa. Nele são feitos sacrifícios, colocadas
imagens, sempre possuindo piso de terra batida com um buraco onde ali são
vertidos o sangue de alguns sacrifícios específicos. É o balé ou igbalé, a
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temida "casinha" dos mortos comandada por Oyá Igbalé, dividindo-a com
Omulu/Obalúaiyé. Como já ouvimos antigos dirigentes fazendo comentários,
o balé ou balê é a “moradia” dos Égun(s) do terreiro. Todos protetores, mas
nem sempre com luz suficiente para discernir o bem do mal fazendo o que
pedirem a eles. Na opinião de alguns desses dirigentes, esses Égun(s) sem
luz são os mesmos “Exus” que invocamos em certas “umbandas” ou na
Quimbanda em feitiçarias maléficas. E, como afirmam alguns, a Umbanda
(ou a Quimbanda, nesse caso) teria "roubado" esse fundamento criando a
tronqueira, a chamada "casinha de Exu" para "imitar" a Nação, o
Candomblé...
Lamentavelmente, alguns babalorixás e ialorixás mais ortodoxos e, portanto,
menos tolerantes, costumam apenas enaltecer os méritos de sua própria
religião. Esquecem-se que a origem da Umbanda, em sua raiz africana,
também perde-se com o tempo.
Como vimos na história de Ojulari e o início do Festival Egúngún, desde
quando os mortos africanos são reverenciados? Desde quando foi criado o
primeiro igbalé para reverenciar-se os ancestrais protetores dos terreiros,
das aldeias, das famílias? Perguntamos: estaria aí o ponto de origem da
Umbanda na África, já que tratamos com os ancestrais diretamente? E
assim, como os Cultos de Nação reverenciam seus ancestrais de origem
africana em seus balés, a Umbanda também reverencia nossos ancestrais
que deram início ao povo brasileiro! Quem eram eles? Enaltecemos os Orixás
africanos iorubás, Voduns, Inquices. Os pretos-velhos que foram escravos.
Os indígenas. O europeu e seus santos, antigos homens e mulheres que
desempenharam o papel de divindades tutelares, no Cristianismo. Até os
ditos “de menos luz” adotados agora de um modo mais aberto, como os
boêmios, que agora chegam como Exus, ciganos? Todos são bem-vindos a
trabalhar no bem nessa religião que ninguém discrimina.
Falando de Égun(s), não poderíamos esquecer as Yámi Oxorongá, as "Mães-
Feiticeiras" como preferimos chamá-las, já que seu nome de origem africana
não deve ser mencionado levianamente.
Recordando, os africanos acreditam que os homens são detentores de uma
alma individual. Ao morrerem, permanecem como eram no pós-morte. Já as
mulheres fundiriam suas almas em uma energia portentosa, pelo somatório
de todas elas, sendo que muitas delas, foram antigas feiticeiras, sacerdotisas
de culto. Nos mitos africanos, as mulheres sempre foram tidas como
poderosas na magia pelos homens que sempre tudo fizeram para destituí-las
de qualquer poder. Essas "mães-ancestrais", "mães-feiticeiras", as yámi ou
Yámi Oxorongá, têm uma grande ligação a Òxum, sendo muito
reverenciadas no Candomblé. Mesmo quando discordamos das idéias
panteístas, caídas por terra quando chegam em nossos terreiros espíritos
"femininos" individuais em suas comunicações, as "Mães-Feiticeiras
aparecem em inúmeros mitos centrando em si a própria energia terrestre,
materializando em si as três dimensões físicas existentes nesse orbe.
Quando acendemos velas nos quatro cantos dos terreiros, na tronqueira dos
Exus, trabalhos e uma série de rituais presentes em todos os cultos afrobrasileiros
nós, umbandistas, justamente esquecemos que essa prática
remonta a um pedido de proteção a esses espíritos femininos, guardiães
ancestrais, cujo ritual veio da África, funcionando maravilhosamente na
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eficácia de nossos rituais... unicamente porque muitos de nós desconhecem
sua origem e quem são elas.
Fala-nos Olga Gudolle Cacciatore que oxorongá é um pássaro africano
possuindo um "grito pavoroso" que, acreditamos pela superstição que cerca
essa ave, foi-lhe dado nessas terras, como símbolo, a coruja. Elas
coletivamente representam todas as mulheres, as mães que nasceram antes
de nós inclusive Òxum, Yemoja (Iemanjá), Nâná, centralizando em si todo o
poder feminino de gerar e do inesgotável poder da magia trazido latente em
si. Detendo o somatório do conhecimento das práticas mágicas, do próprio
poder quase equiparado à própria Divindade, também são lembradas (como
todos os Égun(s), como a própria terra que dá vida à gerações futuras,
recebendo suas homenagens através de um buraco no chão que receberá
oferendas(1), desde um singelo copo com água até um pouco de todas as
oferendas que são entregues aos Orixás. Por isso as "mães-feiticeiras" são
temidas inclusive pelas próprias divindades que respeitam esse foco de
poder.
Esse universo assustador, misterioso e temível que o africano tinha em
relação aos mortos é enfeixado pelo Orixá Omulu/Obalúaiyé e por Nâná,
seus deuses. Todavia, na Umbanda, a figura de Nâná passou não mais a ser
vista como a grande orixá dos mortos temíveis, mas sim a mais velha das
Orixás femininas, ligada ao mundo das águas como todas as demais,
algumas vezes confundida com uma "Iemanjá Velha" ou, simplesmente, a
figura benevolente da avó. Dessa forma, toda essa carga negativa,
apavorante, recaiu sobre seu filho.
Toda a história que cerca esse Orixá relaciona-o a sofrimento, abandono,
mágoa e uma grande ligação à figura materna que, justamente, o
(1) Toda a homenagem à ancestrais é feito com um buraco no solo que
receberá nossas ofertas. O contato com o solo é de relevante importância,
daí a tronqueira ter parte dela de chão batido (nota da autora).
abandonou ao nascer. Muitos de seus "filhos" trazem esses problemas
existenciais em crises profundas de depressão, não sabendo lidar com os
problemas mais simples, permanentemente queixosos, vinculados a
sentimentos de inferioridade, não crendo que vieram a esse mundo para
serem felizes como qualquer outra pessoa.
Por isso, talvez Omulu/Obalúaiyé seja, de longe, o mais temido dos Orixás.
Senhor de todas as doenças, da morte, do sol abrasador que mata e
dissemina epidemias. Senhor da decomposição da matéria, do cemitério.
Aquele que pune os maledicentes, os irônicos, os que desrespeitam o culto.
Mas, assim como mata com suas doenças... cura. Divide esse poder com o
patrono da medicina, Ossaim. E com seu xaxará, na Umbanda uma pequena
vassoura, varre todos os males, as doenças, as desgraças que rondam os
fiéis... comandando a vasta falange dos Exus ditos “de Linha de Cemitério”.

                                                 Texto extraido do livro "Exu Desvendado" .Miriam Prestes

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Esse é um blog feito para quem tem fé na umbanda,e quer aprender um pouquinho mais sobre essa religião. Salve Iansã, Orixá dos ventos. Rainha das tempestades. Mãe que afugenta para bem longe os que nos querem fazer mal. Deusa guerreira e corajosa, que defende seus filhos com a espada de cobre. Mãe da alegria e do bom viver, que teus ventos abra meus Caminhos, encoraje minha Alma e alegre meu coração. Ê PARREIA OYÁ!